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Não se constrói uma economia vigorosa sem um pujante mercado de capitais.
Capital Aberto
Aurélio Valporto
02/06/2016
País sério, com economia pujante, depende de um mercado de capitais sério e igualmente pujante, já que este encerra a mais eficiente forma de fomento da atividade econômica. Infelizmente o mercado de capitais brasileiro é o reflexo da falta de seriedade do país, da corrupção que se espraia por todos os setores que é, em última instância, a causa da profunda recessão econômica em que a nação se encontra.
O mercado de capitais brasileiro tem hoje tantas empresas listadas em bolsa quanto a Mongólia, 129ª economia mundial. A causa deste nanismo reside na falta de credibilidade, causada pelos seguidos crimes que vitimam os investidores no Brasil. De fato, a bolsa de valores do Brasil se tornou em um covil de criminosos, justamente pela certeza de impunidade daqueles que atuam no mercado desviando a poupança nacional.
Se a impunidade dos criminosos e a falta de ressarcimento às suas vítimas é a causa do fracasso do mercado de capitais brasileiro, a esperança de salvação deste reside no judiciário, que embora sabidamente moroso e corrupto, tem notáveis exceções. A mesma “faxina” que se iniciou nas empreiteiras, envolvendo políticos, é essencial que ocorra no mercado financeiro para que o país possa retomar a rota de crescimento.
Neste sentido, é condição indispensável que os magistrados destinados a julgar as questões afetas ao mercado financeiro, em especial o de capitais, estejam capacitados não só em finanças, mas especialmente em economia. Sem conhecimento ao menos razoável de economia e de finanças fica impossível sequer aplicar corretamente o texto das leis de que tratam destes assuntos.
Um dos ícones das fraudes no mercado de capitais brasileiro é Eike Batista, investidores do mundo inteiro sabem dos crimes que este réu cometeu. Sabem que ele é o responsável pelo desvio de dezenas de bilhões de dólares de poupadores nacionais e estrangeiros. Se corretamente aplicada no país, a situação econômica nacional seria muito diferente da que estamos vivenciando.
Assim, esperava-se exemplar punição criminal com consequente ressarcimento dos investidores lesados pelas fraudes cometidas por Eike Batista, mas até hoje não foi julgado. Na esfera cível, um juiz extinguiu, sem sequer julgar o mérito, a ação civil pública contra este réu. Segundo este magistrado, não cabe ação civil pública e sustenta sua sentença em 3 pontos:
1) “Não há homogeneidade uma vez que os acionistas compraram e venderam (e se venderam) em datas distintas”.
Este argumento contraria a lei 7.913 que legitima ação civil pública como ação de classe de acionistas. Ademais, para sustentar sua decisão o juiz Fernando Vianna invocou a doutrina da jurista Ada Pellegrini Grinover, ocorre que a própria Ada emitiu parecer alegando que o douto magistrado se equivocou, segundo a jurista, sua doutrina quer dizer exatamente o contrário do que ele supôs.
2) “Não houve danos à coletividade, uma vez que restrito à seara dos acionistas”.
Argumento que demonstra desconhecimento de economia. Antes de pertencer aos acionistas, a poupança pertence à sociedade, é ela que gera emprego e renda quando corretamente aplicada, alterando toda a dinâmica macroeconômica da sociedade. Quem foi desviada foi a poupança nacional, e minada a credibilidade no mercado de capitais, afastando investidores nacionais e estrangeiros. Ademais, a própria lei 7.913 pacifica este ponto, uma vez que determina que a ação civil pública é o instrumento adequado, portanto o legislador sabe que este tipo de fraude sempre afeta toda a sociedade.
3) “Os investidores estão cientes dos riscos de mercado”.
Este argumento é dos mais espúrios. Os investidores estão cientes dos riscos de mercado, e são estes riscos que eles assumem. Os riscos de mercado são riscos econômicos do empreendimento, não o risco jurídico de serem vitimados por fraudes. O risco jurídico das fraudes não têm absolutamente nada a ver com risco de mercado, e não é considerado pelos investidores em suas análises de risco. É exatamente pelo não ponderável risco da fraude que a ação existe. Caso tivessem sido vítima de riscos de mercado, não existiria ação alguma, cível ou criminal, contra este réu. Não custa lembrar que, mais uma vez, a própria existência da lei 7.913/89 pacifica este ponto.
Reverter esta decisão é de suma importância para o futuro da economia Brasileira, vez que, se mantida, poderá gerar uma jurisprudência que inviabilizaria a ação civil pública como ação de classe de acionistas, fato que traria ainda mais insegurança jurídica para os investidores nacionais e estrangeiros. Países desenvolvidos, com vigorosos mercados de capitais, buscam o máximo de segurança jurídica para os investidores, porque sabem que são estes os responsáveis pela alocação da poupança e que sem investimento não há crescimento econômico, com consequente geração de emprego e renda e, por outro lado, o desvio da poupança traz redução do crescimento, desemprego e corrói a renda.
Aurélio Valporto
Leia a versão final na revista Capital Aberto:
https://capitalaberto.com.br/temas/captacao-de-recursos/extincao-de-class-action-abre-precedente-perigoso/