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A venda da Embraer atende a Interesses inconfessáveis

Na esteira da desnacionalização que dominou a era Collor, FHC e os governos do PT, interesses obscuros envolvem a entrega da Embraer para a Boeing

Aurélio Valporto
Aurélio Valporto
08/03/2019

Petrobras

Por que existem países pobres e países ricos? Por que algumas sociedades têm alto padrão de conforto material enquanto outras têm dificuldades de prover o mínimo para a sobrevivência de seus habitantes? A resposta parece simples: É porque nas organizações sociais mais ricas os trabalhadores produzem mais do que em outras, e a isso dá-se o nome de produtividade.

O produto médio gerado por trabalhador é maior em algumas sociedades do que em outras. Assim, se em uma sociedade primitiva se plantam e colhem exclusivamente com as mãos e em outra são utilizadas ferramentas como arados e máquinas de colher, a produtividades nesta segunda será muito maior e, consequentemente, esta será muito mais rica. E qual o fator chave para uma ter desenvolvido ferramentas para aumentar a produtividade do trabalhador e a outra não? Este fator chama-se tecnologia. A sociedade de maior conforto material investiu para pesquisar e desenvolver técnicas de fabricação de ferramentas, o famoso “bem de capital”, que permitiu um brutal aumento de sua produtividade.

O desenvolvimento tecnológico não só permite o aumento de produtividade da sociedade que detém a técnica, como também melhora, exponencialmente, sua relação de troca com as sociedades que não as detém. Supondo que o ferramental agrícola aumente em 20 vezes a produtividade, quem o desenvolveu poderá vender este ferramental para seus vizinhos pedindo pagamento equivalente a 80% do que produzir e, ainda assim, sobrará para os vizinhos que produzirem utilizando estas ferramentas, o quádruplo dos produtos agrícolas de antes. Se o vizinho produz 10 toneladas em uma safra, sem utilizar os equipamentos, ao passo que utilizando os equipamentos passa a produzir 200 toneladas, se ele pagar por esse ferramental 160 toneladas do que produzir em cada safra, ainda assim sobrará, para si, 4 vezes mais do que produzia sem ele.

Já o detentor da tecnologia, que receberá 160 toneladas por safra como pagamento, nem precisará mais em produzir os bens primários, irá produzir outros bens tecnologicamente avançados e trocar com seus vizinhos de maneira vantajosa para manter o seu alto nível de satisfação material. Esse é o padrão das trocas comerciais entre sociedades ricas e as pobres, que não detêm tecnologia, as ricas exportam produtos de alto conteúdo tecnológico enquanto as pobres, produtos primários. Desta forma, o desenvolvimento tecnológico está no cerne das sociedades afluentes modernas e estas, para manterem seu padrão, evitam, a todo custo, que as sociedades fornecedoras de primários se desenvolvam tecnologicamente, as mantendo como colônias econômicas.

No período colonial o Brasil era proibido de possuir indústrias, justamente para se manter como fornecedor de matérias primas para Portugal e seus aliados, recebendo em troca industrializados de maior valor agregado e conteúdo tecnológico. Essa proibição só caiu com a vinda da família imperial para o Brasil que, para satisfazer suas próprias necessidades, percebeu que era necessário permitir aqui, na colônia, a produção de produtos mais elaborados.

 Retardatário no desenvolvimento tecnológico e industrial, o Brasil se empenhou, durante a segunda metade do século XX, em compensar este atraso, e sua indústria de transformação, intensiva em tecnologia e capital, saltou de 11,4% do PIB em 1952 para 22% do PIB em 1985. Não por coincidência o Brasil foi a economia que mais cresceu no mundo neste período, especialmente durante as décadas de 60 e 70, época que ficou conhecida como “milagre econômico”. Mas vieram uma série de desastrosas gestões econômicas, especialmente no período Collor, FHC e Lula, que destruíram a indústria nacional de transformação, intensiva em capital e tecnologia. O resultado disso é que hoje, em 2019, a participação da indústria de transformação no PIB é inferior à de 1952.

O país não só se desindustrializou como desnacionalizou a parca indústria nacional. Ainda que seja mantida aqui alguma produção industrial, a desnacionalização, rotineiramente, traz consigo grandes revezes, um deles é o esvaziamento tecnológico, uma vez que a pesquisa e o desenvolvimento deixam o país e o que passa a ser produzido aqui são apenas “receitas de bolo”, projetadas e desenvolvidas nos países onde se encontram a matriz. Atrelado a este fato vem o pesado envio de royalties relativo ao desenvolvimento, que foi feito no exterior.

Aqui cabe explicar que, nos produtos modernos, a parcela relativa à pesquisa e desenvolvimento é cada vez maior. Em um processador de computador, por exemplo, é comum que os royalties equivalham a mais de 70% do valor do produto vendido pelo fabricante. Além disso, quando se desnacionaliza, passamos a enviar dividendos para as matrizes, e, por fim, a desnacionalização vem acompanhada da perda de importantes mercados externos, já que para estes são fornecidos, em regra, produtos produzidos pela matriz, não pelas filiais nos países periféricos.

Esse processo de desindustrialização e desnacionalização, além de impedir o desenvolvimento, fragilizou sobremaneira a economia nacional e a deixou extremamente suscetível à flutuação dos preços das commodities no mercado externo. Isso porque a economia nacional passou a depender dos industrializados produzidos no exterior e o setor de serviços, notadamente os de baixo valor agregado, como manicures, cabeleireiros, restaurantes etc. somente têm demanda se a população estiver saciada com produtos primários e com os industrializados do setor secundário. Então, uma queda nos preços das commodities que exportamos, altera negativamente nossa relação de troca com o exterior, reduzindo a entrada de moeda estrangeira, levando à desvalorização cambial que, por sua vez, encarece os industrializados importados. Com maior custo para satisfazer suas necessidades secundárias, a população reduz a demanda por serviços, levando a uma rápida retração da atividade econômica. O inverso também é verdadeiro, e foi por isso que o “boom da commodities” da primeira década do século XXI resultou em uma grande valorização cambial, o que implicou em ganho imediato de produtividade devido à miudança da relação de troca com o exterior (o produto do trabalhador brasileiro passou a valer mais na troca com os importados),  com consequente barateamento dos industrializados importados e expansão frenética do setor de serviços. 

Infelizmente, devido à miopia econômica dos governos brasileiros do final do século XX e início do XXI, ao invés do país utilizar estes períodos de bonança e poupança farta para solidificar a economia com desenvolvimento tecnológico, investimento em infraestrutura e industrialização, ocorreu justamente o oposto. Os governos atenderam ao desejo daqueles que queriam o Brasil como uma gigantesca colônia de exploração, fornecendo primários em troca dos produtos de alto valor agregado e tecnológico produzidos no exterior.

O aumento de arrecadação tributária auferido nesses anos de bonança foram gastos criando um estado hiper inchado, com empreguismo de toda sorte para compra de aliados políticos e programas assistencialistas (com fins também político-eleitoreiros) ao invés de se criar emprego pelo crescimento econômico sustentado. É um absurdo econômico, por exemplo, o fato do Brasil, que chegou a ser o quarto mercado mundial de automóveis em 2014, não ter uma indústria automobilística genuinamente nacional. Não aproveitar a enorme escala oferecida pelo mercado nacional para desenvolver o país é um atestado de incompetência das equipes econômicas. As indústrias automobilísticas aqui instaladas, notadamente  estrangeiras, não produzem praticamente nenhuma tecnologia localmente, com isso enviamos anualmente uma montanha de royalties aos países de origem das montadoras, importamos as partes tecnologicamente mais sofisticadas dos veículos aqui montados e, como se não bastasse, com a desnacionalização das indústrias de autopeças, passamos também a enviar royalties para as peças aqui produzidas. Por fim, como consequência, não exportamos veículos para nenhum grande mercado mundial, as exportações se limitam basicamente à Argentina, mais umas poucas unidades para outros países do Mercosul e México.

Portanto, para retomar seu desenvolvimento de forma sustentada é absolutamente imprescindível o desenvolvimento tecnológico e industrial do Brasil. 

No meio deste caos econômico, de incompetência, de traição ao povo deste país, uma indústria floresceu e se tornou um expoente mundial em desenvolvimento tecnológico: a Embraer. Uma das três maiores indústrias aeronáuticas do planeta e líder mundial nos segmentos civis em que atua. Na aviação regional levou à bancarrota sua concorrente, a Bombardier, que para não encerrar a sua produção de jatos regionais viu-se obrigada a desfazer desta divisão, entregando-a à Airbus. Na divisão de aeronaves executivas a Embraer, em menos de uma década, desbancou todas as concorrentes e se tornou líder isolada. A Embraer é a maior exportadora de produtos industrializados genuinamente produzidos e desenvolvidos no Brasil, gerando altos salários para todos os envolvidos na produção, de engenheiros a eletricistas, propulsionando economicamente a região e, indiretamente, de enorme impacto na economia de todo o país.

A tecnologia desenvolvida na Embraer, aliada à sua necessidade de fornecedores nacionais, se espraia para outras indústrias, sendo, assim, um importantíssimo polo gerador de tecnologia e produtos de alto valor agregado para toda a economia nacional. Por ser o mais eficiente fabricante mundial de aeronaves da sua categoria, produzindo produtos superiores a um preço, na maioria das vezes, mais de 20% inferior aos concorrentes, a Embraer tem, de longe, a maior carteira de pedidos firmes da indústria de jatos regionais. Apenas na feira de Farnborough, em julho de 2018, foram recebidas encomendas para 300 aeronaves, hoje a carteira de encomenda de jatos regionais da empresa de aviação brasileira, incluindo as opções, equivale a cerca de 40% de todos os E-jets que ela já vendeu em toda a sua história.

  É uma mentira dizer que ela está acuada no mercado porque a Airbus assumiu a divisão de jatos regionais da Bombardier, muito pelo contrário, a Airbus é que estava acuada, sem condições de concorrer com a Embraer. Anteriormente a Embraer tinha expulsado do mercado o Boeing 717 e o 737-600, uma versão reduzida do famoso 737 voltada para a aviação regional. Com a conclusão do projeto da aeronave militar KC-390, de fuselagem larga, a empresa está pronta para entrar no maior e mais cobiçado segmento da aviação comercial mundial: o de 150 a 220 passageiros, disputado por Boeing 737 e Airbus A-320.

 Boeing está com sérios problemas de projeto no seu princvipal produto: o 737-MAX. Esses problemas de projeto resultaram em graves acidentes com a morte de todos os acupantes. A verdade é que o departamento de projetos da Boeing está velho e ultrapassado, seus projetos não têm condições tecnológicas de concorrer com as novas versões do A320. Por outro lado, a Embraer tem um corpo de projetistas extremamente capacitado, bem como projeta e fabrica trens de pouso, através da sua subsidiária ELEB, uma das cobiças da Boeing para resolver suas deficiências em trens de pouso.

No entendimento de muitos engenheiros da própria Embraer, ela é a única empresa capacitada a concorrer com a Airbus no segmento de 150 a 220 passageiros no futuro próximo, uma vez que, com o fracasso de projeto do 737 MAX, a Boeing não tem mais esta capacidade. Por isso, comprar a Embraer é uma prioridade para Boeing, e não só a divisão de jatos comerciais, mas todo o corpo de projetistas, que são os mesmos que projetam aeronaves militares e executivas.

Aqui cabe informar que não existe diferença entre corpo de projetistas de aeronaves militares e civis, há, isto sim, projetistas de asas, projetistas de fuselagem central etc., que são os mesmos que projetam asas e fuselagens para aviões civis e militares, portanto dizer que a Embraer ficará com os segmentos executivo e militar é uma falácia. Com a perda do setor de projetos, ela perderá a capacidade de projetar e desenvolver qualquer tipo de aeronave.

Como está também no pacote, a ELEB, subsidiária da Embraer que fabrica trens de pouso, com ela a Boeing ganhará capacidade de projetar e desenvolver trens de pouso, um dos “calcanhares de Aquiles” de seus aviões. Como se não bastasse, o acordo prevê ainda a transferência, também, da linha de produção do novo jato de transporte militar da Embraer, o KC-390, para os Estados Unidos. É interessante notar que a Boeing não garantiu a venda de um único avião KC-390, não apresentou uma única encomenda, mas vai transferir a linha, de propriedade do governo brasileiro, da FAB, para os EUA bem como se apossará das licenças de propriedade da FAB.

Todo este negócio está sendo feito sem apresentar um único projeto ao governo ou aos acionistas, ninguém sabe de onde se tirou o valor de US$ 4,2 bilhões, apenas como comparação, recentemente a rede de drogarias São Paulo recebeu uma oferta superior a US$ 6,5 bilhões para a venda de seu controle, e não aceitou! A direção da Embraer está entregando a empresa por menos que um conjunto de balcões de farmácia!

O negócio não é bom para ninguém na Embraer, somente para a Boeing. Mais uma vez os acionistas minoritários estão sendo lesados, desde que o negócio foi anunciado, em julho de 2018, as ações caíram mais de 30%, isso porque a Embraer anunciou aos acionistas a distribuição de uma parcela de US$ 1,6 bilhão, equivalente a mais de 40% do valor das ações hoje, mas o negócio é tão ruim para o futuro da empresa que continuaram despencando, mesmo após o anúncio.

Está claro que qualquer um que conheça as “entranhas” desta verdadeira negociata e ainda assim defenda a concretização das negociações está, na verdade, defendendo interesses inconfessáveis. Aqui cabe lembrar que o diretor financeiro e de RI da Embraer, Nelson Salgado é acusado pela CVM de enganar investidores (que nesse caso inclui o Governo Federal e o BNDES) e este mesmo sujeito, bem como todo o conselho de administração da Embraer (incluindo o brigadeiro Araújo), foram denunciados em notícia-crime pela prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, contra a fé pública e indução de investidor ao erro.

Depois do exposto, me indago: Se o negócio é tão nocivo para a economia nacional, se é tão ruim para o futuro da empresa e péssimo para seus acionistas, por que os administradores da Embraer estão insistindo na sua venda e, para isso, “rasgando” a lei 6.404, que disciplina esse tipo de negócio no Brasil? A que interesses estão atendendo? E o governo que pode vetar o negócio com sua “golden share” ou mesmo através do BNDES em assembleia de acionistas, por que está concordando com algo tão nocivo sem sequer ter sido apresentado um projeto para a Embraer e mesmo sequer um estudo de impacto econômico regional e nacional de curto, médio e longo prazos?

 Aurélio Valporto

Economista, Presidente da ABRADIN

https://www.portalviu.com.br/opiniao/o-brasil-precisa-de-tecnologia-e-producao