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Sobre o monopólio da B3

Reflexão sobre uma das causas do atraso do mercado de capitais brasileiro


Hélio Beltrão
23/08/2022

Petrobras

 

 

Sobre o monopólio da B3

 

 Helio Beltrão                                                                                                                                                     23 de agosto de 2022

 

  A B3 anunciou na semana passada que a partir de 2023 aplicáveis a todas as companhias listadas na Bolsa. Em particular, propõe que os acionistas deverão eleger ao menos uma mulher e um integrante de "comunidade minorizada" como membros efetivos do conselho de administração ou da diretoria.

 

  É mais uma investida baseada na controversa doutrina do "pratique ou explique", só que mais radical. Agora será apenas "pratique o que mando, ou será expulso da Bolsa".Talvez soe anacrônico aos moderninhos do ESG,  mas os critérios de contratação e nomeação de diretores e conselheiros deveriam ser determinados pela própria empresa e por seus acionistas, e não pela Bolsa na qual suas ações são negociadas.

  Por meio da imposição de cotas, a B3 interferirá na gestão, na governança e no propósito fundamental das empresas: a incessante busca da maximização de seu valor. A obrigação pela B3 pode ser inconstitucional, já que o artigo 7º da Carta Magna proíbe critério de admissão por motivo de sexo ou cor.

 

  O problema nem é a exigência em si, mas o fato de que não existe alternativa. A empresa que deseja ter seus valores mobiliários negociados no Brasil deve obrigatoriamente usar a B3. Então, qualquer regra imposta por ela, por mais absurda, deverá ser acatada.

 


  Milton Friedman, economista americano, estudou monopólios naturais e encontrou apenas dois que persistiram sem privilégio governamental ou reserva de mercado: a Nyse (Bolsa de Nova York) de 1870 a 1934, e a companhia DeBeers de diamantes. Mas são exemplos ainda assim questionáveis, já que a DeBeers tem hoje menos de 30% de participação e Nyse compete com outras 23 Bolsas nacionais. Além disso, há nos Estados Unidos 58 plataformas alternativas de balcão que absorvem cerca de 40% do volume negociado. Aqui não há competição alguma.

 

 

  Resulta que a B3 é acomodada, uma estatal típica. É a empresa do setor financeiro com maior remuneração para diretores, em média R$ 19 milhões por diretor em 2019. Os conselheiros recebem R$ 2 milhões por ano, segundo relatório do JPMorgan, mais do que diretores em tempo integral de muitas empresas listadas.

 

 

  O banco também aponta que a B3 cobra taxas mais altas do que Bolsas de mercados desenvolvidos e do México, faturando três a cinco vezes mais receita por valor negociado. Não surpreende que tenha margem Ebitda acima de 75%.

 

  Por que inexistem outras Bolsas ou mercados de balcão? Há uma poderosa reserva de mercado institucional. A Instrução CVM 461/2007: (a) proíbe a internalização (ou seja, plataformas grandes não podem fechar os trades dentro de casa, passando a estar obrigadas a usar a B3), (b) proíbe que corretoras e plataformas detenham mais de 10% de participação societária, que obstaculiza os maiores interessados em criar competição à B3, (c) exige estrutura mínima de governança pesada e cara, que inviabiliza a entrada de pequenas plataformas de balcão.

 

 

  A mais descarada reserva de mercado da Instrução 461, no entanto, é a proibição de que a empresa tenha suas ações negociadas em uma segunda plataforma (dupla listagem). Há dois meses foi permitida a listagem em duas Bolsas. Porém, a companhia segue não podendo negociar em uma Bolsa e em uma plataforma de balcão simultaneamente. Persiste substancial reserva de mercado.

 

  A melhoria do mercado de capitais requer a remoção das reservas de mercado da B3 para que surjam concorrentes. Somente assim a própria B3 será impelida a se modernizar, aprimorar as regras do Novo Mercado, facilitar a listagem de empresas menores, simplificar o bizarro prospecto de oferta pública, e eventualmente até disponibilizar gratuitamente dados de mercado.

 

  São temas primordiais ao pequeno investidor de varejo: temas que não lacram, mas lucram.

 

 

  Vamos abrir esse mercado?